As identificações de Dario, o medo
Steven D. Anderson, PhD | 07 de outubro de 2020
Tradução: Romunike Oliveira
O livro bíblico de Daniel descreve a um rei chamado Dario, o medo, o filho de Assuero, quem assumiu o governo sobre o império neobabilônico depois da queda da Babilônia diante da força medo-persa (Daniel 5:31). Dario, o medo, é um personagem principal em Daniel 6, e se diz que a visão de Daniel 9 ocorreu durante o seu reinado. No entanto, surge um problema quando se tenta identificar a Dario, o medo, na literatura extrabíblica antiga. Baseada em fontes extrabíblicas, a perspectiva convencional de historiadores modernos é que Ciro, o persa, conquistou Média cerca de 553 a.C. e depôs ao último rei medo. Segundo esta versão da história, Ciro, como rei persa reinou sozinho sobre todo o império (medo-)persa quando a Babilônia caiu em 539 a.C.
Os eruditos têm respondido à questão da identidade de Dario, o medo, em fontes extrabíblicas de sete maneiras que se descrevem na continuação.
Dario, o medo, como ficção
Resumo: Este ponto de vista nega a existência histórica de Dario, o medo, e a historicidade do livro de Daniel.
Proponentes: Este tem sido o ponto de vista padrão entre os eruditos críticos desde o final do século XIX, ainda que haja poucos eruditos críticos que sigam uma destas identificações históricas de Dario, o medo. Exemplos de proponentes sobre o Dario, o medo, como ficção incluem a Driver, Rowley e Grabbe.
Razões: Este ponto de vista tem dois tipos de motivos, motivos históricos e motivos teológicos. O motivo histórico é que existem fontes extrabíblicas que contam uma versão da história de Ciro que não reconhece a existência de Dario, o medo. A fonte extrabíblica principal que os críticos seguem no assunto de Dario, o medo, é o historiador grego Heródoto. Vários textos cuneiformes são citados como confirmação de Heródoto. A maioria dos críticos simplesmente afirmam que estas fontes provam a inexistência de Dario, o medo, sem abordar as identificações de Dario, o medo, que tem sido propostas por outros eruditos. Basicamente, os críticos descartam ao livro de Daniel como uma fonte histórica. Isto é devido a motivos teológicos: os críticos querem provar que o livro de Daniel não é a Palavra de Deus, sendo um livro basicamente fictício. Portanto, cada vez que fontes extrabíblicas parecem contradizer afirmações do livro de Daniel, os críticos colocam sua confiança nestas fontes extrabíblicas e negam aquilo que o livro de Daniel diz.
Objeção #1: Este ponto de vista tem motivos teológicos, por isso não trata o livro de Daniel de uma maneira imparcial, senão que tenta refutá-lo. Os motivos e as pressuposições dos críticos determinam suas conclusões.
Objeção #2: Este ponto de vista não analisa a Heródoto e outras fontes antigas de uma maneira suficientemente crítica, reconhecendo os preconceitos e as contradições que existem nestas fontes.
Objeção #3: Este ponto de vista não deveria negar somente a historicidade do livro de Daniel, senão também algumas fontes extrabíblicas importantes que parecem coincidir com o livro de Daniel.
Objeção #4: Este ponto de vista não reconhece a possibilidade de uma coerência entre Ciro e Dario, o medo, que possa deixar espaço para o reinado de Dario, o medo, durante o reinado de Ciro.
Objeção #5: Este ponto de vista não pode ser aceito por alguém que creia na Bíblia, dado que contradiz explicitamente as afirmações do livro de Daniel.
Dario, o medo, como Gubaru
Resumo: Este ponto de vista identifica a Dario, o medo, com “Gubaru” e/ou “Ugbaru”, um governador de Gutium quem se aliou com Ciro e foi nomeado governador da Babilônia por Ciro.
Proponentes: A maioria dos eruditos evangélicos dos primeiros três quartos do século XX seguiram esta teoria. A declaração clássica deste ponto de vista foi dada por Whitcomb. Shea modificou este ponto de vista em resposta a problemas encontrados em sua formulação clássica.
Razões: Esta teoria foi criada depois do descobrimento dos textos cuneiformes que se consideraram como uma validação da versão de Heródoto da história de Ciro. Em sua busca por uma figura nesta versão da história que pudera corresponder a Dario, o medo, muitos eruditos evangélicos o identificaram como Gubaru (também chamado Ugbaru e Gobrias). Este nome é mencionado por Xenofonte, a Crônica de Nabônido e textos comerciais da Babilônia. Foi nomeado governador da Babilônia por Ciro e, devido a sua alta posição, Gubaru foi identificado com Dario, o medo. Esta teoria se basea em parte na identificação do “reino dos caldeus” (Daniel 9:1) com a terra dos caldeus, ainda que em realidade o reino dos caldeus abrangeu um território maior do que apenas a Babilônia.
A teoria de Whitcomb e seu problema: Whitcomb argumentou que Gubaru foi uma pessoa diferente de Ugbaru porque a Crônica de Nabônido diz que Ugbaru morreu três semanas depois da queda da Babilônia. Enquanto a Gubaru, textos comerciais da Babilônia guardados desde o quarto ano de Ciro até o quinto ano de Cambises mencionam a Gubaru como o governador da Babilônia. Whitcomb identificou a Dario, o medo, com este governador chamado “Gubaru”. O problema é que Whitcomb presumiu que Gubaru também havia sido governador durante os primeiros anos do reinado de Ciro. No entanto, os textos comerciais mencionam outra pessoa como governador da Babilônia durante esses anos, e essa pessoa foi o mesmo governador babilônico que havia sido o governador antes da queda da Babilônia. Portanto, o “Gubaru” de Whitcomb não pode ter sido o homem que “recebeu o reino” imediatamente depois da queda da Babilônia (Daniel 5:31)
A teoria de Shea e seu problema: Shea argumenta que a pessoa chamada “Ugbaru” na Crônica de Nabônido é a mesma pessoa que a Crônica chama de “Gubaru”, e Shea identifica a Dario, o medo, como esta pessoa. No entanto, os dados da Crônica levam à conclusão de que Gubaru não pode ter tido uma posição de poder por mais de uma semana depois da queda da Babilônia. Isto é devido a que Ciro entrou na Babilônia duas semanas depois da queda da cidade, e Shea supôs que Ciro nomeou a Gubaru como governador nesse momento, no entanto, Gubaru morreu oito dias depois. Shea trata de argumentar que todos os eventos de Daniel 6 e 9 puderam ter ocorrido somente uma semana, mas este é um argumento muito difícil de se sustentar.
Objeção geral #1: Não há evidência de que Gubaru foi chamado “Dario”.
Objeção geral #2: Não há evidência de que o pai de Gubaru foi chamado “Assuero” (um nome real).
Objeção geral #3: O nome chamado “Gobrias” por Xenofonte claramente corresponde ao homem chamado “Gubaru” e “Ugbaru” na Crônica de Nabônido, e Xenofonte diz que esse homem foi um “assírio”, é dizer, um nativo da Babilônia. Não é possível afirmar que Gubaru foi um medo sem contradizer a Xenofonte.
Objeção geral #4: Não há uma fonte extrabíblica que descreva a Gubaru como um “rei”. Ainda que em Daniel 6:1-7 se usam duas palavras para “governador” (פחה e אחשדרפן) várias vezes, estas palavras nunca são aplicadas a Dario, o medo. Pelo contrário, o livro de Daniel aplica o termo “rei” a Dario, o medo, trinta vezes, e em Daniel 6:25-27 Dario decreta um edito a todo o mundo. É difícil imaginar como Dario, o medo, pode ter sido um simples governador local.
Objeção geral #5: Em Daniel 6:7-9, Dario, o medo, decreta um edito ordenando que ninguém poderia fazer petição a Deus ou homem algum exceto a ele mesmo. Um edito assim somente poderia ser decretado por um magistrado mais alto no reino, e não por um governador. Isto é confirmado por Daniel 6:8, 12, 15, que diz que não haveria ninguém no reino que pudesse anular um edito decretado por Dario, o medo. Por isso, o livro de Daniel em si contradiz todas as teorias que identificam a Dario, o medo, como um governador local.
Dario, o medo, como Ciro
Resumo: Este ponto de vista identifica a Dario, o medo, com Ciro, o rei persa.
Proponentes: Esta teoria foi popular entre os eruditos evangélicos que escrevem ao final do século XX, começando com Wiseman em 1965.
Razões: Este ponto de vista pode aceitar a versão convencional da história de Ciro e também afirmar a historicidade de Dario, o medo. Tem a vantagem de identificar a Dario, o medo, com alguém quem indiscutivelmente teve o título de “rei” depois da queda da Babilônia. Segundo esta teoria, Daniel 6:28 deveria ser traduzido “Este Daniel, pois, prosperou no reinado de Dario, é dizer, no reinado de Ciro, o persa” (cf. 1 Crônicas 5:26). A mãe de Ciro foi a filha do rei medo Astíages, por isso Ciro poderia ser chamado medo o persa.
Objeção #1: O livro de Daniel sempre faz uma distinção entre “Ciro, o persa” e “Dario, o medo”. Não há uma boa explicação para o uso destes dois nomes e descrições no livro de Daniel se ambos se referem a mesma pessoa.
Objeção #2: Em seus escritos, Ciro sempre se identifica como um persa , não como um medo.
Objeção #3: Não há evidência extrabíblica de que Ciro foi chamado “Dario” ou que seu pai (Cambises I) foi chamado de “Assuero”.
Objeção #4: Heródoto, Xenofonte e um cilindro de Nabônido fazem declarações indicando que Ciro tinha menos de sessenta e dois anos quando conquistou a Babilônia, o que não se encaixa na descrição de Dario, o medo, em Daniel 5:31.
Objeção #5: Esta visão aceita a história convencional de Ciro sem questioná-la; isto é, ela apenas segue a história de Heródoto e as fontes que parecem concordar com Heródoto. Não considera a possibilidade de que outras fontes extrabíblicas que contam outra história possam estar corretas.
Dario, o medo, como histórico, mas de identidade incerta
Resumo: Essa visão afirma que Dario, o medo, foi uma pessoa que realmente existiu na história, mas não é possível saber quem ele era de fontes extrabíblicas.
Proponentes: Esta era a opinião de E. B. Pusey no final do século XIX. No final do século XX, a maioria dos comentaristas evangélicos tinha essa visão.
Razões: Essa visão reconhece problemas com a identificação de Dario, o medo, com Gubaru / Ugbaru, bem como com a sua identificação com Ciro, mas mesmo assim sustenta a inspiração e autoridade do livro de Daniel. Os comentaristas que não sabiam qual teoria poderia ser correta, mas que mesmo assim estavam convencidos da confiabilidade do livro de Daniel, adotaram essa visão.
Objeção: Este ponto de vista pode ser legítimo em alguns casos, mas em outros casos pode indicar uma atitude de indiferença às questões históricas mais difíceis encontradas nas Escrituras.
Dario, o medo, como Cambises II
Resumo: Este ponto de vista identifica Dario, o medo, com Cambises II, filho e sucessor de Ciro.
Proponente: Há apenas um estudioso que propôs essa teoria, Charles Boutflower.
Razões: Existem textos cuneiformes que apresentam Cambises II como co-regente de Ciro no primeiro ano após a queda da Babilônia. Visto que Cambises recebeu o título de “rei”, ele foi capaz de cumprir o papel do rei Dario, o medo, que recebeu o império neobabilônico após a queda da Babilônia (Daniel 5:31).
Objeção #1: Os nomes não conferem. Ou seja, não há evidências de que Cambises fosse chamado de “Dario” ou de que seu pai Ciro fosse chamado de “Assuero”.
Objeção #2: Embora a mãe de Ciro fosse meda, Cambises e seu pai são sempre chamados de persas em fontes extrabíblicas, não medos.
Objeção #3: Cambises não poderia ter promulgado os decretos de Daniel 6:7-9 e 6:25-27 enquanto seu pai fosse o rei supremo.
Objeção #4: Cambises tinha menos de sessenta e dois anos quando Babilônia caiu, o que não corresponde à descrição de Dario, o medo, em Daniel 5:31. Boutflower sugere que o texto original em aramaico foi alterado neste verso, mas não há nenhuma evidência manuscrita para apoiar essa sugestão.
Dario, o medo, como Astiages
Resumo: Esta visão identifica Dario, o medo, com Astíages, o avô materno de Ciro.
Proponentes: Apenas alguns estudiosos propuseram essa teoria, incluindo John Lightfoot, Westcott e Alfrink. Também se reflete no primeiro verso do livro apócrifo Bel e o Dragão.
Razões: Heródoto afirma que Astíages foi o último rei medo e não tinha filho. Se esta afirmação for aceita, é natural tentar identificar Dario, o medo, como Astíages. Heródoto diz que Ciro depôs Astíages, mas não o matou. Pode-se presumir que Astíages foi elevado à realeza por Ciro novamente quando Ciro fez de seu filho Cambises seu co-regente. Nesse caso, Astíages teria sido nomeado o terceiro co-regente para ser tutor de Cambises, e ele poderia ter recebido o nome de trono de “Dario”.
Objeção #1: Este ponto de vista contradiz Xenofonte, que afirma que Astíages morreu antes de Ciro começar suas campanhas de conquista. Além disso, Xenofonte afirma que Astíages foi sucedido por um filho chamado Ciaxares, que reinou como co-regente com Ciro. As fontes que apoiam Xenofonte também são evidências contra a identificação de Dario, o medo, com Astíages.
Objeção #2: As suposições dessa visão são altamente especulativas, uma vez que nenhuma das fontes antigas diz algo sobre a restauração de Astíages ao seu trono.
Dario, o medo, como Ciaxares II
Resumo: Este ponto de vista identifica Dario, o medo, com Ciaxares (Cyaxares) II, filho e sucessor de Astíages, segundo o historiador grego Xenofonte.
Proponentes: Esta era a visão da maioria dos estudiosos judeus e cristãos de Josefo e Jerônimo a Keil na década de 1870, mas foi abandonada após a descoberta de inscrições cuneiformes que pareciam apoiar o relato de Heródoto sobre a ascensão de Ciro, que não permite a existência de Ciaxares II descrito por Xenofonte. No entanto, a descrição de Ciaxares II na Ciropédia de Xenofonte se encaixa bem com a descrição de Dario, o medo, no livro de Daniel. Visto que as identificações de Dario, o medo, com base na história de Heródoto, têm muitos problemas, essa teoria voltou a chamar a atenção dos estudiosos da Bíblia. Eu (Steven Anderson) escrevi minha tese de doutorado (2014; pdf, pdf, livro impresso) sobre Dario, o medo, propondo a identificação de Dario, o medo, como Ciaxares II. Alguns estudiosos evangélicos seguiram meus argumentos, como Kirk MacGregor e Paul Tanner.
Razões: Xenofonte descreve Ciaxares II como o último rei medo e tio de Ciro. De acordo com Xenofonte, Ciaxares II era o rei da Média e Ciro era o rei da Pérsia, e os dois eram aliados em um único governo confederado. Este arranjo de compartilhamento de poder pode harmonizar textos bíblicos (por exemplo, Isaías 45:1-3) e extrabíblicos que descrevem Ciro como o conquistador de reinos com a afirmação do livro de Daniel de que havia um rei superior a Ciro quando Babilônia caiu. De acordo com Xenofonte, Ciaxares II viveu dois anos após a queda da Babilônia, tempo suficiente para os eventos de Daniel 6. Como Ciaxares não tinha herdeiro homem e Ciro havia se casado com sua filha, Ciro herdou sua posição depois da sua morte e uniu os reinos da Média e da Pérsia em um trono. Embora Xenofonte use apenas o nome “Ciaxares”, há evidências de outras fontes de que Ciaxares assumiu o trono com o nome de “Dario”. Além disso, há evidências de que o pai de Ciaxares, chamado de “Astíages” pelos historiadores gregos, assumiu o trono pelo nome de “Assuero” (= Xerxes). Xenofonte não dá uma idade precisa para Ciaxares, mas sua afirmação de que Ciaxares era mais velho que Ciro se encaixa na afirmação de Daniel 5:31 de que Dario, o medo, tinha sessenta e dois anos quando a Babilônia caiu. Em suma, o Ciaxares de Xenofonte se aproxima muito da descrição de Dario, o medo, no livro de Daniel. Em minha dissertação, conduzi um estudo detalhado de outras fontes extrabíblicas que tratam dos temas de Ciro e Dario, o medo, e encontrei fortes evidências em apoio à existência de Ciaxares II / Dario, o medo.
Objeção #1: Os textos comerciais da Babilônia datam do reinado de Ciro desde a queda da Babilônia, sem um reinado intermediário de Dario, o medo.
Resposta: Nem os textos comerciais da Babilônia mencionam Belsazar, a quem Daniel identifica corretamente como “rei”. Isso ocorre porque os textos comerciais algumas vezes não mencionam todos os co-regentes em uma co-regência. No caso da co-regência entre Ciro e Dario, o medo, era natural datar os textos comerciais da Babilônia com o reinado do rei que entrou na Babilônia como o conquistador (Ciro). Mesmo assim, é possível que existam textos comerciais datados do reinado de Dario, o medo, uma vez que esses textos teriam sido identificados pelos estudiosos modernos com o reinado de um dos outros três Darios que reinaram depois.
Objeção #2: A Ciropédia de Xenofonte não é uma fonte confiável para a história de Ciro.
Resposta: Esta avaliação da Ciropédia é baseada no pressuposto de que Ciaxares II é fictício. Se a historicidade de Ciaxares II for aceita, a Ciropédia parece muito mais confiável. Além disso, Xenofonte mostrou ser mais preciso do que Heródoto no que diz em respeito a seus relatos sobre a educação real de Ciro, a existência de Belsazar, a existência de Gobrias e o casamento de Ciro com a filha de Ciaxares.
Para ler mais detalhes sobre a identificação de Dario, o medo, com Ciaxares II e as fontes antigas que corroboram essa identificação, veja meu artigo: Darío el medo: una solución a su identidad (Dario, o medo: uma solução para sua identidade).
Copyright © 2020 de Steven D. Anderson.
O Dr. Steven D. Anderson é Professor de Exposição da Bíblia no Seminario Teológico Evangélico Gozo Eterno (STEGE). Ele recebeu seu Doutorado (PhD) com concentração em Estudos Bíblicos e concentração em Exposição da bíblia do Dallas Theological Seminary (Dallas TX, EUA).